Sobre a Ética na Investigação Científica e Tecnológica

A preocupação ética relativamente aos novos desenvolvimentos científicos e tecnológicos ocupa, presentemente, a mente de um grande número de investigadores. Esta preocupação crescente tem mesmo dado origem ao surgimento de novos campos de trabalho interdisciplinares, a Bioética é disso um exemplo, onde convergem competências provenientes das Ciências Exactas e Naturais, das Tecnologias, da Filosofia, do Direito, etc. Procuram os trabalhadores da Ética estabelecer os fundamentos da Ética na investigação e deduzir regras de Comportamento Ético para uso dos investigadores.

A preocupação ética aumenta em proporção com a capacidade humana para interferir com a Natureza; a Ética é a consciência colectiva que avisa que ao aumento das capacidades tecnológicas corresponde um aumento da responsabilidade de quem delas faz uso. Enquanto o homem não teve a capacidde para destruir o planeta não foi tão premente uma ética do desenvolvimento de armamentos. O primeiro grande problema ético ligado com desenvolvimentos tecnológicos foi, sem dúvida, o que enfrentaram os criadores da bomba atómica; seria lícito, ou não, desenvolver uma arma com a acapacidade destruidaora da bomba atómica? Os cientistas que tornaram possível a bomba são ou não responsáveis perante a humanidade pelos danos que ela causou? E que dizer dos desenvolvimentos subsequentes? Até onde e quando se estende a responsabilidade do cientista que deu o primeiro passo?

Hoje em dia a questão ética perpassa toda a ciência, mas é sobretudo nos desenvolvimentos susceptíveis de afectar o ecosistema ou que se relacionam com a saúde e com as características genéticas da espécie humana que elas são mais prementes, ou pelo menos mais populares. É de aceitação corrente que um matemático pode desenvolver os seus estudos inteiramente livre de considerações éticas; mas a Matemática é o suporte da Física e esta é, por sua vez, a ciência em que se baseiam inúmeras tecnologias capazes de desenvolver novas armas e novas agressões ao ambiente.

A espécie humana é descendente de outras espécies animais e os primeiros desenvolvimentos tecnológicos devem ter aparecido antes do comportamento inteligente e, portanto, livres de preocupações éticas. Como aniamis, sujeitos às regras da selecção natural, os antepassados do homem tiveram que lutar pela sua subsistência, em competição com as outras espécies que habitavam o planeta. Nessa luta valia tudo e o critério que prevalecia era o de que os fortes triunfavam e os fracos sucumbiam; estamos a falar de animais; recordemos. Quando os primatas levantaram as patas dianteiras do chão e começaram a equilibrar-se apenas nas patas traseiras ganharam duas mãos livres; estas serviam-lhes para apanhar alimentos mas, devem eles ter verificado, também serviam para agarrar num pau ou numa pedra e, com isso, caçar mais eficientemente.

Os primeiros desenvolvimentos não foram, certamente, fruto de grandes cogitações; foram fruto do acaso e era tão natural dar uma mocada na cabeça de um animal com torcer-lhe o pescoço. Naturalmente que a arma que servia para caçar também servia para abater o vizinho que roubava a caça, e ràpidamente todos tinham aprendido a usar armas; porque os que não aprenderam não deixaram descendência. Possìvelmente nem sequer conseguiram parceiro para acasalamento.

Enquanto a postura erecta e as alterações fisiológicas eram passadas de geração para geração codificadas nos genes, por hereditariedade, não era possível passar do mesmo modo o conhecimento de que para caçar se usa uma moca. O código genético deve ter registado, então, o instinto maternal, quer dizer, os filhos permanecem algum tempo com a mãe ou com o pai, para deles aprenderem alguns factos da vida. Este comportamento é, como sabemos, partilhado por muitas espécies que, por várias razões, sentiram a necessidade, ou a conveniência, da constituição de grupos familiares.

O aparecimento de grupos familiares não pôde deixar de ser acompanhado de algum conhecimento inato, e portanto genético, de que o grupo deve ser preservado para bem do próprio indivíduo. Quer dizer, se pode ser aconselhável matar o vizinho para não nso faltar comida, o mesmo não se passa com o pai ou com a mãe. Este comportamento instintivo resulta da própria evolução das espécies e não pode ter a ver com ética, porque associamos ética a livre arbítrio e capacidade de decisão. No entanto a evolução não pára e o acaso, que levou a pegar em paus, leva também a fabricar armas mais sofisticadas; por outro lado, o grupo familiar torna-se demasiado pequeno para ser competitivo e o grupo social a preservar passa para o nível do clan ou do aldeamento. Não é aceitável que a preservação de grupos que vão além da família mais próxima seja um instinto; a relação com os outros membros do grupo não é física, como é com os pais e sobretudo com a mãe. Assim, é natural que nesta altura tenha começado a surgir o comportamento ético e que a necessidade da preservação do grupo tenha passado a fazer parte da educação dos jovens; par isso foi necessário que se desenvolvesse uma linguagem de comunicação entre indivíduos e alguma capacidade de abstracção, já que se trata de informação difícil de passar através do exemplo.

A preservação do grupo social é uma necessidade evolutiva, mas esse conhecimento pode ser inato ou transmitido. Uma espécie que desenvolveu capacidades bélicas para além das que permitia a fisiologia do seu corpo, necessitou de desenvolver uma linguagem de comunicação e uma capacidade de abstracção capazes de orientar o comportamento bélico no sentido dos grupos rivais e da preservação do próprio grupo. Os fundamentos do comportamento ético e da moral podem ser encontrados nesta fase da evolução em que, dentro de cada grupo, passaram a ser ensinadas regras limitativas da liberdade de acção do indivíduo, quando estavam em jogo os superiores interesse do grupo social.

A igualdade de direitos para todos os homens, com a consequente extensão da ética e da moral para toda a humanidade, são um dos primeiros sintomas da globalização para que tende a espécie humana; de facto, a ideia de que toda a humanidade deve ser preservada é contrária à noção de luta pela sobrevivência, cuja lógica parece ser a de que os interesses de um grupo social justificam que se cause prejuizo a um grupo rival. Tudo se passa, de facto, como se a humanidade tivesse passado a reagir com a lógica de um organismo planetário, cujos superiores interesses devem ser preservados em benefício, em última análise, da generalidade dos seus constituintes.

Os sinais da globalização, ou da planetarização, do grupo social humano são aparentes em vários aspectos da actividade humana, o mais recente dos quais, e porventura o mais significativo a longo prazo, é a Internet a qual, no seu desenvolvimento imparável, pode vir a planetarizar a informação, criando uma rede de neurónios à escala mundial e tornando pertinente a questão da existência de uma consciência e de uma inteligência planetárias.

Voltando ao comportamento ético, o ponto que qiz vincar foi o de que a ética tem bases evolutivas e os valores éticos são, ou tendem constantemente a ser, aqueles que melhor contruem para a preservação dos grupos sociais, entendendo-se que estes se encontram cada vez mais planetarizados. A selecção natural foi responsável por toda a evolução e, consequentemente, também pleo aparecimento de grupos sociais; estes são verdadeiros organismos vivos, a um nível superior ao das espécies animais. As próprias espécies animais e vegetais são já colectivos de células com a sua vida própria, certamente pouco conscientes de viverem para o bem do indivíduo colectivo.

Ao fazer aparecer os organismos ou grupos sociais, a selecção dotou-os de mecanismos de auto-defesa e de coesão, pela simples razão de que os grupos que não tinham mecanismos de auto-defesa adequados desapareceram; o mesmo continuará a acontecer no futuro. Ou seja, ao mesmo tempo que a espécie humana continua a procurar novos desenvolvimentos tecnológicos, numa actividade que resulta de todo um processo evolutivo que começou com as variações aleatórias introduzidas no código genético nos processo de divisão celular, o mesmo processo evolutivo cria os meios de homologação e de rejeição desses desenvolvimentos, um dos quais é a ética.

Sendo a ética um produto da evolução, sendo o processo de selecção natural responsável pela himologação e rejeição dos desenvolvimentos tecnológicos, fará sentido pedir ao cientista que se questione sobre os seus trabalhos de investigação? Não poderá ele empenhar-se a fundo no desenvolvimento e deixar à selecção natural a incumbência de atribuir o justo valor a cada novo desenvolvimento? A verdade é que a ética foi precisamente um dos mecanismos que a selecção arranjou para protecção do organismo social. Podemos ver a ética como um sistema de imunidade do organismo, pronto a actuar onde se manifeste uma infecção capaz de pôr em risco a saúde. A ética actua de forma essencialmente preventiva; o organismo social dispõe de outros meios de protecção, de tipo activo, cuja função é curar as doenças, se necessário segregando as células infectadas.

O comportamento ético não tem regras fixas e universais; o investigador deve perguntar-se continuamente se o seu trabalho é feito em prol deste organismo planetário, que é a humanidade, com a consciência de que o organismo tem os seus meios próprios de aceitação e rejeição. Os códigos de ética existentes em vários sectores de actividade são auxiliares para a decisão individual, mas não são estes códigos que, de facto, estabelecem as regras da ética.

 

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